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SADC, Regulação Digital e Ordem Pública: Moçambique no Limite do Laissez-Faire

Por Curtis Chincuinha  Moçambique enfrenta uma crescente crise social marcada pelo desrespeito à hierarquia do Estado, à ordem legal, à propriedade privada e ao direito de circulação. A Constituição da República de Moçambique protege esses direitos fundamentais, estabelecendo, no seu Artigo 55, a liberdade de circulação e residência e, no Artigo 82, a inviolabilidade da propriedade privada. No entanto, a proliferação de manifestações de desobediência, ocupações ilegais, bloqueios de estradas e ataques ao património alheio demonstra uma deterioração da ordem social e levanta um alerta para os limites da autoridade do Estado. O cenário de instabilidade encontra nos media sociais uma força amplificadora. Plataformas como Facebook, X (antigo Twitter), TikTok e WhatsApp, bem como websites e fóruns , tornaram-se espaços onde discursos de ódio, incitação à violência e desinformação proliferam sem um controlo eficaz. O conceito de Web 2.0 , caracterizado pela interactividade e pela partici...

Pensamento Complexo: O Conceito de Edgar Morin Explicado de Forma Simples

Por Curtis Chincuinha  Aplicando o Pensamento Complexo no Mundo Real Nos últimos dias, um trecho da intervenção de um painelista numa televisão moçambicana tornou-se viral nas redes sociais. Durante o debate, ele fez referência ao conceito de pensamento complexo ao interpelar os seus pares no painel, mas, em vez de esclarecer, essa menção gerou uma onda de confusão. O vídeo repercutiu mais pela dificuldade em compreender o que realmente significa o pensamento complexo do que pela própria referência feita. Mas afinal, o que Edgar Morin propõe com esse conceito? Para esclarecer a sua aplicação prática e evitar equívocos, este artigo utiliza um exemplo concreto — a nomeação do ministro X — para explicar o que é o pensamento complexo. O Que é o Pensamento Complexo? O pensamento complexo, formulado por Edgar Morin, representa uma crítica ao modelo tradicional de conhecimento, que tende a dividir o mundo em partes isoladas e simplificadas. Morin (1990) propõe que a realidade é multifacet...

A Nova Batalha Pelo Poder: Quem Governará a Juventude nos Próximos Anos?

 Por Curtis Chincuinha Moçambique, ao longo das décadas, passou por profundas transformações políticas, sociais e tecnológicas que alteraram significativamente a relação entre governantes e governados. Nos anos 70, 80 e 90, o país vivia sob um modelo de governação centralizado, onde as decisões eram tomadas por uma elite dirigente com forte influência sobre a população. As autoridades locais e nacionais eram figuras de grande respeito, quase mitificadas como semideuses, e em muitos contextos recebiam ofertas como galinhas, cabritos e outros bens como demonstração de reconhecimento e lealdade. Os comícios políticos eram eventos de participação massiva, onde a presença não era apenas um acto de cidadania, mas também uma demonstração de alinhamento com a liderança e as suas directrizes. O poder dos dirigentes estendia-se para além da esfera política, influenciando directamente a vida quotidiana das comunidades. O respeito pela hierarquia impunha-se naturalmente e a contestação era rar...

Golpes de Estado e Narrativas de Crise: Uma Análise à Luz de Newton Bignotto e Curzio Malaparte

Por Curtis Chincuinha   O contexto político contemporâneo, tanto em Moçambique quanto em democracias consolidadas como os Estados Unidos e o Brasil, tem demonstrado um padrão recorrente de desrespeito às normas institucionais por parte de determinados actores políticos. A recusa em aceitar resultados eleitorais, aliada à construção de narrativas que minam a confiança nas instituições, revela uma tendência de confrontação às bases do Estado de direito e da democracia constitucional. A análise deste fenómeno à luz das reflexões de Newton Bignotto, em Golpe de Estado: História de uma ideia, e Curzio Malaparte, em Técnicas de Golpe de Estado, oferece uma compreensão crítica e académica sobre o assunto. Bignotto argumenta que um golpe de Estado não se limita ao uso da força bruta, mas frequentemente se concretiza por meio de um conjunto articulado de estratégias simbólicas que visam mobilizar a opinião pública contra as instituições vigentes. Ele destaca que os golpes modernos, em parti...

Mandato Único de 7 Anos: Uma Alternativa para Eficiência Governativa em Moçambique

Por Curtis Chincuinha  A Constituição da República de Moçambique, no seu artigo 147.º, consagra que o Presidente da República é eleito por sufrágio universal, directo, igual, secreto, pessoal e periódico para um mandato de cinco anos, com possibilidade de renovação uma única vez. Este modelo, amplamente utilizado em diversos países, visa assegurar alternância no poder e reforçar a legitimidade democrática. No entanto, é essencial reflectir sobre a eficácia prática deste sistema à luz dos desafios e limitações inerentes ao exercício do poder em contextos como o moçambicano. A governança moderna exige resultados tangíveis num curto espaço de tempo. Contudo, os ciclos governativos de cinco anos, divididos em dois mandatos, apresentam, em termos práticos, limitações significativas. O primeiro ano e meio, ou mesmo dois anos, de cada mandato são frequentemente dedicados à montagem da máquina governativa: reorganização ministerial, aprovação de estatutos, reestruturação de equipas e conce...

O Custo da Irresponsabilidade: Como o Vandalismo Está Sabotando o Futuro de Moçambique

Por Curtis Chincuinha  O contexto político contemporâneo, tanto em Moçambique quanto em democracias consolidadas como os Estados Unidos e o Brasil, evidencia um padrão recorrente de desconfiança nas instituições eleitorais, nos mecanismos de votação e na composição dos órgãos de gestão eleitoral. Este fenómeno, aliado à construção de narrativas que questionam a legitimidade dos processos democráticos, tem fomentado crises que ameaçam a estabilidade do Estado de direito. À luz das reflexões de Newton Bignotto, em Golpe de Estado: História de uma ideia, e Curzio Malaparte, em Técnicas de Golpe de Estado, é possível compreender como estes elementos convergem para desestabilizar as bases democráticas. Bignotto argumenta que os golpes de Estado modernos não dependem exclusivamente da força bruta, mas são frequentemente viabilizados por estratégias que minam a credibilidade das instituições. Ele destaca que a disseminação de desconfiança no sistema eleitoral, como a denúncia infundada de...

Sobre as Capitais e a descentralização: Uma Breve Lição Sobre Unidade Nacional Enquanto Parte do Projecto de Construção de Estado-Nação (1975-2024)

Por Curtis Chincuinha A unidade nacional é um conceito fundamental na construção de um estado-nação coeso e próspero. Ela transcende demarcações territoriais e centralizações de poder, sendo, acima de tudo, um sentimento de pertença a um projecto comum de construção da nação. Anderson (1991), ao definir a nação como uma “comunidade imaginada”, argumenta que a coesão de um povo reside na percepção de partilha de um destino colectivo, independentemente das distâncias geográficas ou das diferenças culturais. Smith (1991) complementa esta visão, sugerindo que a unidade nacional está enraizada em valores de justiça e inclusão, que promovem a integração de todos os cidadãos num mesmo projecto de desenvolvimento e progresso. No contexto moçambicano, a unidade nacional sempre foi um tema central, especialmente após a independência em 1975. A liderança da FRELIMO, sob a presidência de Samora Machel, traçou uma estratégia de desenvolvimento que buscava integrar o país numa perspectiva socialista...