Sobre as Capitais e a descentralização: Uma Breve Lição Sobre Unidade Nacional Enquanto Parte do Projecto de Construção de Estado-Nação (1975-2024)


Por Curtis Chincuinha


A unidade nacional é um conceito fundamental na construção de um estado-nação coeso e próspero. Ela transcende demarcações territoriais e centralizações de poder, sendo, acima de tudo, um sentimento de pertença a um projecto comum de construção da nação. Anderson (1991), ao definir a nação como uma “comunidade imaginada”, argumenta que a coesão de um povo reside na percepção de partilha de um destino colectivo, independentemente das distâncias geográficas ou das diferenças culturais. Smith (1991) complementa esta visão, sugerindo que a unidade nacional está enraizada em valores de justiça e inclusão, que promovem a integração de todos os cidadãos num mesmo projecto de desenvolvimento e progresso.


No contexto moçambicano, a unidade nacional sempre foi um tema central, especialmente após a independência em 1975. A liderança da FRELIMO, sob a presidência de Samora Machel, traçou uma estratégia de desenvolvimento que buscava integrar o país numa perspectiva socialista e de planificação centralizada. Esta estratégia, codificada no terceiro congresso da FRELIMO em 1977, ficou conhecida como "socialização do campo" e visava a modernização das zonas rurais, que até então haviam sido negligenciadas pelo regime colonial.


Entre as medidas implementadas, destacam-se:

1. A organização da população rural em aldeias comunais: O objectivo era disponibilizar serviços sociais como educação, saúde e infraestrutura básica às comunidades, promovendo o desenvolvimento inclusivo.

2. A promoção da agricultura mecanizada: Este esforço foi realizado através da criação de machambas estatais e cooperativas de produção semi-mecanizadas, visando aumentar a produtividade e reduzir a exploração dos camponeses.

3. A substituição do sistema colonial de abastecimento urbano: Empresas estatais assumiram a responsabilidade de abastecer os mercados urbanos, aproveitando as machambas abandonadas pelos colonos.


Estas políticas foram desenhadas para reduzir as desigualdades regionais e promover uma maior integração nacional, reconhecendo a importância de todas as regiões no processo de construção do estado-nação. No entanto, a centralização excessiva de competências e recursos em Maputo acabou por perpetuar desequilíbrios regionais que ainda hoje constituem desafios significativos para a unidade nacional.


 A Centralização e os Seus Impactos 


A concentração de poderes em Maputo criou uma percepção de marginalização em outras regiões do país. Esta dinâmica reforçou fenómenos como o êxodo rural, a fuga de quadros qualificados e o subdesenvolvimento das províncias fora da capital. De acordo com Braconnier e Dormagen (2007), a exclusão de certas regiões no acesso a recursos e oportunidades cria sentimentos de injustiça, prejudicando a coesão social e fomentando tensões internas.


Contrariando a ideia dos que consideram a descentralização como uma ameaça à unidade nacional, é imperativo destacar que a criação de mais de um centro de poder em Moçambique é não apenas desejável, mas necessária. Propostas como estabelecer Manica como a capital política, Zambézia como a capital legislativa e Niassa como a capital judicial não dividiriam o país, mas promoveriam maior integração, coesão e sentimento de inclusão nacional.


 Exemplos Internacionais de Sucesso


Países com múltiplos centros de poder mostram que descentralização pode ser uma ferramenta eficaz para promover unidade e desenvolvimento equilibrado. Na África do Sul, por exemplo, as três capitais (Pretória, Cidade do Cabo e Bloemfontein) distribuem funções executivas, legislativas e judiciais, garantindo que nenhuma região monopolize o poder. De forma semelhante, a Bolívia divide suas funções governamentais entre Sucre (capital constitucional) e La Paz (capital administrativa). Estes exemplos comprovam que a descentralização não enfraquece a coesão nacional; pelo contrário, fortalece-a ao criar um sentimento de inclusão em todas as regiões.


 _Os Benefícios das Capitais Diferenciadas_ 


A descentralização das capitais em Moçambique proporcionaria uma redistribuição de renda mais equitativa, aliviando a pressão sobre Maputo e fomentando o desenvolvimento económico nas províncias. Manica, ao tornar-se capital política, concentraria os órgãos governamentais e administrativos no centro do país, promovendo equilíbrio geográfico e estimulando o crescimento de infraestruturas e serviços locais.


A Zambézia, como capital legislativa, atrairia investimentos para apoiar a instalação de estruturas parlamentares modernas, gerando empregos e dinamizando o comércio regional. Além disso, a localização estratégica da província facilitaria o acesso a debates e decisões legislativas por representantes de todas as regiões.


Niassa, ao assumir o papel de capital judicial, seria elevada a um novo estatuto, com investimentos em tribunais superiores, escritórios jurídicos e formação de quadros especializados. Isto estimularia o crescimento económico local e fomentaria uma maior presença do Estado em áreas remotas.


 _A Unidade Nacional Como Projecto Comum_ 


Unidade nacional não se constrói pela concentração de recursos ou pela exclusão de regiões periféricas. Pelo contrário, ela nasce do sentimento de pertença a um projecto comum que valoriza e inclui todos os cidadãos. Distribuir os dividendos do desenvolvimento de forma equitativa é essencial para garantir que todas as regiões se sintam parte integrante do estado-nação.


Smith (1991) observa que a unidade nacional se desenvolve quando há percepção de justiça e equidade. Isso significa que o desenvolvimento equilibrado e a redistribuição de oportunidades devem ser prioritários em qualquer estratégia de governação. No caso de Moçambique, isso implica abandonar práticas centralizadoras e investir em iniciativas que promovam o crescimento inclusivo em todas as províncias.


Em suma, a verdadeira unidade nacional não é medida pela centralização de recursos ou competências, mas sim pela capacidade de integrar todos os cidadãos e regiões num projecto comum. Moçambique, ao abraçar a descentralização, pode avançar rumo a um futuro mais justo e inclusivo, onde todas as suas regiões contribuam de forma significativa para o progresso do estado-nação. Este é o caminho para corrigir as desigualdades históricas e construir uma unidade nacional genuína, baseada em justiça, equidade e inclusão.



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