Do Tradicional ao Digital: O Desafio do Uso dos Media Digitais na Administração Pública Moçambicana
O presente artigo analisa o actual estágio da comunicação institucional na Administração Pública Moçambicana, com foco nas tensões geradas pela transição da comunicação tradicional para o uso crescente de media digitais. A partir de dados sobre o acesso à internet e o uso de plataformas digitais, discutem-se as estratégias de comunicação da administração pública, os desafios enfrentados pelos departamentos de comunicação e a evolução das políticas de informação. O artigo também aborda as mudanças na forma como a administração pública interage com os cidadãos, considerando o direito à informação como um princípio orientador da governação pública.
1. Introdução
A comunicação institucional é um elemento central na interação entre o Estado e a sociedade, desempenhando um papel vital na construção de uma governação transparente e eficaz. Em Moçambique, como em muitos outros países, a administração pública enfrenta uma série de desafios relacionados ao uso crescente dos meios digitais, que requerem uma reconfiguração dos paradigmas comunicacionais tradicionais. A transição da comunicação tradicional para um modelo mais digital e interactivo implica não apenas na adaptação tecnológica, mas também na mudança de estratégias de gestão comunicacional, com o objectivo de garantir a efectividade da comunicação pública.
No contexto moçambicano, a evolução das tecnologias da informação e comunicação (TIC) tem impactado directamente a forma como o governo se comunica com seus cidadãos. Historicamente, a comunicação na administração pública foi dominada por canais convencionais como rádio, televisão e jornais impressos. Entretanto, com o advento da internet e o aumento da penetração das redes sociais, novas formas de interação começaram a emergir, desafiando a administração pública a reconfigurar sua estratégia comunicacional para uma maior integração com as demandas digitais da sociedade.
Este artigo propõe uma reflexão crítica sobre as mudanças no modelo de comunicação da administração pública em Moçambique, considerando a importância do direito à informação como um princípio orientador. O direito à informação é garantido pela Constituição da República de Moçambique (Art. 48) e pela Lei nº 34/2014, Lei do Direito à Informação, que asseguram aos cidadãos o acesso à informação pública, como um direito fundamental à cidadania e à transparência governamental. A reflexão se baseia na análise da legislação nacional e internacional sobre o direito à informação e na evolução das práticas comunicacionais no sector público, especialmente no que diz respeito à adaptação ao digital. Ao longo do artigo, será discutido como as mudanças tecnológicas estão moldando o relacionamento entre o governo e os cidadãos, com foco nas oportunidades e desafios dessa transição.
O processo de transição ainda está em curso e enfrenta uma série de obstáculos, incluindo questões relacionadas à formação de profissionais qualificados, a integração das novas tecnologias nas práticas cotidianas e a adaptação dos cidadãos às novas formas de comunicação. No entanto, as possibilidades que surgem com o uso das plataformas digitais são significativas, permitindo um aumento na transparência, eficiência e participação cidadã. O direito à informação continua a ser um eixo central na análise dessas transformações, com a expectativa de que a administração pública atenda às exigências de uma sociedade cada vez mais digitalizada e informada.
2. O Panorama Digital e Comunicacional Moçambicano
Em Moçambique, a penetração das tecnologias digitais tem avançado, mas ainda apresenta desafios significativos, especialmente em áreas rurais e menos urbanizadas. Segundo dados do INCM (2023), cerca de 23% da população tem acesso regular à internet. Embora essa cifra ainda seja relativamente baixa, ela representa uma mudança significativa nas últimas décadas, à medida que o país se insere cada vez mais na era digital. A principal forma de acesso à internet é através de dispositivos móveis, sendo o WhatsApp, Facebook, TikTok e Instagram as plataformas mais populares.
Este panorama digital crescente apresenta tanto oportunidades quanto desafios para a administração pública. Por um lado, a expansão da conectividade oferece novos meios para que o Estado se comunique directamente com os cidadãos, oferecendo acesso a informações governamentais de maneira rápida e eficiente. As plataformas digitais permitem uma comunicação mais interactiva, onde os cidadãos podem não apenas consumir informações, mas também participar de discussões e fornecer feedback, o que facilita a transparência e a prestação de contas.
Por outro lado, o uso dessas tecnologias traz desafios, como a necessidade de assegurar que a informação divulgada seja precisa e não manipulada. A administração pública precisa lidar com o fenómeno das fake news (notícias falsas) e garantir que sua comunicação digital seja confiável. Isso exige que os departamentos de comunicação sejam bem preparados para identificar e combater a desinformação, além de desenvolver estratégias de engajamento efectivas para reforçar a credibilidade das mensagens emitidas.
Além disso, a realidade digital do país ainda enfrenta limitações em termos de acesso equitativo à internet. Grande parte da população rural e de áreas periféricas ainda não tem acesso adequado à infraestrutura digital, o que limita a abrangência das iniciativas de comunicação pública. Para superar essas barreiras, a administração pública precisa desenvolver estratégias híbridas, combinando a utilização de mídias tradicionais com plataformas digitais, de modo a alcançar o maior número possível de cidadãos.
3. Transformações na Gestão da Comunicação Pública
A gestão da comunicação pública na administração moçambicana tem passado por profundas transformações nas últimas décadas. A mudança mais notável tem sido a crescente externalização dos serviços de comunicação. Muitas unidades responsáveis pela comunicação e imagem passaram a actuar como gestores de contratos com empresas terceirizadas, responsáveis pela produção de conteúdos e pela gestão das plataformas digitais. Esse modelo tem permitido que a administração pública se beneficie da especialização técnica dessas empresas, mas também levanta questões sobre a continuidade e a coesão da mensagem institucional.
A externalização tem trazido benefícios, como a redução de custos operacionais e a utilização de expertise técnica em áreas como design gráfico, marketing digital e produção de conteúdos audiovisuais. No entanto, essa abordagem também apresenta desafios importantes. A principal preocupação é a perda de controlo sobre a mensagem institucional, o que pode afectar a consistência da comunicação do governo e sua capacidade de responder de forma eficaz e oportuna a questões emergenciais ou crises de comunicação.
Além disso, o processo de terceirização pode levar à fragilização das capacidades internas dos departamentos de comunicação, que acabam perdendo a autonomia para desenvolver suas próprias estratégias de comunicação. Isso pode resultar em uma comunicação pública menos alinhada com as necessidades reais dos cidadãos, dificultando o engajamento e a participação cidadã. A administração pública precisa, portanto, equilibrar a utilização de recursos externos com o fortalecimento das capacidades internas, garantindo que a comunicação institucional continue a ser eficaz e coerente com os princípios da administração pública.
A transição para o modelo digital exige também um novo conjunto de competências dos profissionais responsáveis pela comunicação pública. A formação e a capacitação contínua são essenciais para que os servidores públicos possam usar adequadamente as ferramentas digitais e garantir a eficácia da comunicação. Além disso, é necessário desenvolver protocolos claros sobre a interação com plataformas digitais, garantindo que a administração pública se mantenha ágil e responsiva às demandas de uma sociedade digitalizada.
4. Comunicação em Ambientes Digitais: Novas Demandas e Práticas
A transformação digital impôs à administração pública a necessidade de adotar novas práticas de comunicação, voltadas para a interactividade, a agilidade e a transparência. A utilização de plataformas digitais exige que a comunicação pública se torne mais dinâmica e responsiva, oferecendo conteúdos que atendam às necessidades dos cidadãos de maneira imediata e acessível. Esse novo cenário também requer que os servidores públicos desenvolvam competências técnicas no uso de ferramentas digitais, tais como redes sociais, aplicativos de mensagens e outras plataformas interactivas.
Uma das principais demandas dessa mudança é a capacidade de escuta activa, ou seja, a habilidade da administração pública em monitorar as plataformas digitais e responder rapidamente às questões e preocupações dos cidadãos. A escuta activa é essencial para que a administração pública compreenda as expectativas da sociedade e ajuste suas práticas comunicacionais para atender a essas necessidades. Além disso, a presença digital das instituições deve ser estruturada de maneira a favorecer a interação constante com a população, facilitando a participação cidadã e a transparência na gestão pública.
A prestação de contas é outro elemento-chave da comunicação digital. No passado, a comunicação pública era frequentemente unidireccional, com os cidadãos recebendo informações de forma passiva. Com a digitalização, as práticas de comunicação precisam ser mais interactivas, permitindo que os cidadãos não apenas recebam informações, mas também participem activamente do processo de governação. A utilização de plataformas digitais oferece uma oportunidade única para que a administração pública compartilhe dados em tempo real e permita a fiscalização pública de suas acções.
No entanto, os desafios técnicos e humanos são significativos. A falta de infraestrutura adequada em algumas regiões do país e a escassez de profissionais qualificados em comunicação digital podem comprometer a implementação dessas práticas. A formação contínua dos servidores e o investimento em tecnologias adequadas são essenciais para garantir que a administração pública seja capaz de cumprir sua função de informar de maneira eficiente e acessível.
5. Conteúdos e Técnicas de Difusão: O Que Comunicar e Como?
A administração pública de Moçambique enfrenta desafios significativos quando se trata de criar e disseminar conteúdo digital eficaz. No entanto, a transição de uma comunicação tradicional para uma abordagem digital oferece uma gama de novas possibilidades para o engajamento com a sociedade. As plataformas digitais oferecem meios mais dinâmicos e eficientes para se comunicar com os cidadãos, mas isso exige uma reconfiguração completa das técnicas de difusão. A utilização de diferentes canais de comunicação, como sites institucionais, redes sociais e plataformas de mensagens instantâneas, deve ser estratégica, para alcançar as diversas camadas da população, especialmente aquelas que não têm o mesmo nível de acesso ou familiaridade com a internet.
Para garantir que as mensagens sejam claras e acessíveis, é fundamental que a comunicação pública seja centrada no cidadão. A utilização de linguagem simples e de fácil compreensão é um ponto crucial, pois a complexidade das informações muitas vezes dificulta o acesso e a compreensão dos cidadãos. Além disso, os conteúdos precisam ser segmentados e adaptados às especificidades de diferentes públicos. A utilização de infográficos, vídeos curtos, áudiose outros formatos multimodais é uma excelente forma de alcançar uma maior diversidade de cidadãos, incluindo aqueles de diferentes faixas etárias e níveis educacionais. Isso ajuda a criar uma comunicação mais acessível, permitindo que os cidadãos compreendam de maneira rápida e clara as informações disponibilizadas.
Outro ponto importante é o engajamento e a interatividade. A comunicação digital permite que os cidadãos não apenas consumam conteúdo, mas também participem ativamente. A utilização de plataformas sociais e fóruns de discussão pode fortalecer a interação bidirecional entre o governo e os cidadãos. Este tipo de comunicação não é apenas sobre transmitir informações; trata-se também de criar um diálogo contínuo, no qual a administração pública pode responder rapidamente às preocupações e feedbacks dos cidadãos. A administração pública deve, portanto, investir em sistemas de monitoramento constante dessas interações para garantir respostas rápidas e eficazes.
Em termos de estratégias de engajamento, a comunicação digital oferece a capacidade de adaptar os conteúdos a diferentes contextos e públicos. Por exemplo, quando se trata de informações complexas, como relatórios de auditoria ou orçamentos públicos, a utilização de gráficos interativos ou vídeos explicativos pode tornar esses dados mais acessíveis e compreensíveis para um público amplo. Esse tipo de conteúdo também permite que o cidadão se aproprie das informações, compreenda os resultados e entenda o impacto das decisões governamentais em sua vida cotidiana. A personalização da informação e a adaptação do conteúdo são vitais para garantir a efetividade da comunicação pública.
Além disso, a administração pública deve estar preparada para comunicar de maneira eficiente em tempos de crise ou emergência. A agilidade na produção de conteúdo, a transparência nas mensagens e a credibilidade da informação são elementos-chave durante crises, como desastres naturais ou conflitos políticos. Nesse contexto, o monitoramento e a gestão das redes sociais são essenciais para corrigir informações errôneas e combater a desinformação. O engajamento em tempo real é um fator crucial para assegurar que o governo se mantenha relevante e confiável, fornecendo respostas imediatas e precisas. Isso exige treinamento constante de servidores públicos, para que possam lidar com situações de crise digital de maneira eficaz e com a rapidez necessária.
Por fim, a credibilidade institucional da administração pública depende diretamente de sua capacidade de utilizar os meios digitais de forma transparente e respeitosa. Para isso, a comunicação digital deve ser alinhada com os princípios estabelecidos pela Constituição da República de Moçambique e pela Lei nº 34/2014, Lei do Direito à Informação, que asseguram o direito à informação como um direito fundamental. Isso implica não apenas em fornecer informações claras e acessíveis, mas também em promover um diálogo contínuo entre governo e cidadãos, com vistas à construção de uma governança pública mais democrática e participativa. A administração pública deve estar disposta a ajustar suas estratégias de comunicação, com o objetivo de garantir uma interação mais eficaz e alinhada com os direitos dos cidadãos, promovendo maior transparência, participação e responsabilidade.
_____________
Referências
Chincuinha, C. (2024). O uso dos media sociais na Administração Pública. Dissertação de Mestrado, UEM.
INCM (2023). Relatório sobre o Acesso e Uso das TIC em Moçambique.
Constituição da República de Moçambique, Art. 48.
Lei nº 34/2014, Lei do Direito à Informação.