A Nova Batalha Pelo Poder: Quem Governará a Juventude nos Próximos Anos?
Por Curtis Chincuinha
Moçambique, ao longo das décadas, passou por profundas transformações políticas, sociais e tecnológicas que alteraram significativamente a relação entre governantes e governados. Nos anos 70, 80 e 90, o país vivia sob um modelo de governação centralizado, onde as decisões eram tomadas por uma elite dirigente com forte influência sobre a população. As autoridades locais e nacionais eram figuras de grande respeito, quase mitificadas como semideuses, e em muitos contextos recebiam ofertas como galinhas, cabritos e outros bens como demonstração de reconhecimento e lealdade. Os comícios políticos eram eventos de participação massiva, onde a presença não era apenas um acto de cidadania, mas também uma demonstração de alinhamento com a liderança e as suas directrizes.
O poder dos dirigentes estendia-se para além da esfera política, influenciando directamente a vida quotidiana das comunidades. O respeito pela hierarquia impunha-se naturalmente e a contestação era rara, muitas vezes vista como uma afronta directa à autoridade instituída. A informação era controlada, e os discursos dos líderes eram os principais instrumentos de mobilização e orientação das massas. A comunicação entre o poder e os cidadãos era unidireccional: os governantes falavam e o povo ouvia.
Com o avanço da tecnologia e a digitalização da comunicação, essa realidade sofreu uma reviravolta. Hoje, as interacções políticas deslocaram-se dos espaços físicos para as plataformas digitais. Os discursos que antes eram transmitidos apenas em palanques são agora realizados através de lives, onde os políticos procuram engajamento imediato do público. A juventude, antes espectadora passiva dos grandes comícios, tornou-se uma voz activa na arena digital, comentando, questionando e, muitas vezes, contestando directamente os líderes. O monopólio da informação foi quebrado e, agora, as versões oficiais coexistem com múltiplas narrativas construídas por cidadãos comuns nas redes sociais.
Esta transição levanta uma questão essencial: quem governará a juventude nos próximos 20 anos? A relação de poder já não é a mesma, e a autoridade não se impõe apenas pela posição hierárquica, mas pela capacidade de dialogar, de persuadir e de se adaptar a um ambiente digital dinâmico e descentralizado. A legitimidade política, que outrora derivava do estatuto e do discurso institucional, hoje está profundamente ligada à percepção pública moldada nos espaços virtuais.
Se no passado a adesão a um projecto político era em grande parte influenciada por discursos emocionais e pela imposição de normas sociais, hoje a juventude exige transparência, prestação de contas e uma participação mais efectiva nas decisões que afectam o seu futuro. O engajamento político deixou de ser apenas um acto presencial e passou a manifestar-se em hashtags, partilhas e campanhas digitais que pressionam os líderes a responderem a questões que antes poderiam ser ignoradas.
Além disso, é relevante observar que as plataformas digitais não só oferecem novas formas de participação, como também criam uma dinâmica mais inclusiva, onde a juventude pode, muitas vezes, superar as barreiras de acesso à informação política. O trabalho de Loader, Vromen, e Xenos (2014) destaca como as redes sociais transformaram as práticas políticas entre os jovens, permitindo um envolvimento mais imediato e informal, que reflete as mudanças socioculturais em curso. Segundo os autores, os jovens não se limitam mais a consumir conteúdo político, mas agora interagem ativamente em tempo real, criando novas formas de participação política (Loader, Vromen & Xenos, 2014).
Com isso, surge uma nova geração de políticos, que, para garantir seu lugar no poder, precisará adaptar-se à digitalização das relações de poder. O líder do futuro não será apenas aquele que fala bem ou possui um discurso alinhado com as expectativas do momento, mas, acima de tudo, aquele que compreende as nuances da Web 2.0 e consegue se conectar com os cidadãos de maneira autêntica e transparente.
Para governar com sucesso nos tempos vindouros, será necessário um perfil de liderança profundamente distinto do que predominou no passado. O líder do futuro terá que ser, antes de mais, um comunicador digital habilidoso, capaz de estabelecer um diálogo permanente com a juventude, de forma aberta e acessível. A capacidade de escuta activa será um diferencial fundamental, pois não bastará falar bem; será essencial demonstrar que se está disposto a ouvir e a responder com acções concretas.
A transparência será também um critério determinante. O eleitorado jovem, exposto a um fluxo constante de informação e análise crítica, não tolera contradições nem promessas vazias. Líderes que não souberem prestar contas das suas acções e justificar decisões correm o risco de serem rejeitados pelo escrutínio das redes sociais, onde qualquer deslize se torna rapidamente viral e pode comprometer carreiras políticas inteiras.
Se, como sugere Tufekci (2013), a política digital tornou-se uma arena onde os jovens não apenas participam, mas também influenciam diretamente os rumos das decisões, o político que ignorar esse novo contexto estará fadado a perder relevância. Hoje, a política já não é feita apenas nos bastidores do poder, mas também nos fóruns digitais, nos espaços comunitários e nas redes de influência globais.
Neste novo cenário, o político do futuro precisará não apenas de ser carismático, mas também competente na gestão digital das suas plataformas e capaz de construir confiança através da transparência e da capacidade de responder às demandas da juventude. Se antes se governava pela imposição e pelo controlo da narrativa, hoje e no futuro próximo governará quem souber navegar nas complexidades da era digital, construindo credibilidade, envolvimento e respostas concretas às necessidades do seu eleitorado.
Mais do que nunca, o poder será conferido não apenas pelo voto, mas pela capacidade de permanecer relevante, acessível e alinhado com as expectativas de uma sociedade que já não se submete passivamente, mas que exige protagonismo e participação activa no seu próprio destino.
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Referências
Loader, B. D., Vromen, A., & Xenos, M. A. (2014). Youth and Political Participation in a Digital Age. Routledge.
Tufekci, Z. (2013). Digital democracy: The impact of the internet and social media on political participation. Political Communication, 30(2), 212-232.
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